Por: Pr. André Santos
Infelizmente estamos mergulhados em uma crise de vocação ministerial sem
fim. Ser pastor em uma sociedade como a nossa, não é uma tarefa fácil, bem da
verdade que se tornou uma árdua tarefa. A nossa geração precisa ter consciência
que os desafios que nos são propostos são particulares a nossa geração. Como
disse o pastor Luiz Duarte: "Cada geração é responsável pela sua
geração".
Vivemos em dias
desafiadores, dias de alta tecnologia, da velocidade de informações, da busca
de soluções imediatas, dias onde "nada" é absoluto, mas tudo tem sido
levado ao crivo do relativismo. Uma das coisas mais difíceis que há em nossos
dias, é encontrar uma igreja autentica, sem o verniz da aparência por cima de
um arcabouço cavo, oco. Os pastores sentem-se sem ânimos, vencidos pela
modernidade das igrejas tecnológicas, pastores que outrora eram referencias
para sua geração, são postos de canto em detrimento das inovações juvenis,
alguns até irresponsáveis. Os dias em que vivemos são reflexos do século XXI,
um século permeado de desafios.
No meio desses
desafios surgem outros, como por exemplo, o de continuar sendo pastor, em uma
sociedade que não tem como característica a busca pelo divino, em uma sociedade
que é caracterizada pela busca da espiritualidade fora de Deus. A banalização e
secularização do sagrado fazem com que as pessoas não valorizem o ministério
como algo que acontece por vocação e sim por ambição. Ser pastor, não traz mais
cunho de vocação, mas de uma oportunidade para sucesso e fama no meio “gospel”.
A maior desilusão é
quando encontramos pastores que abdicaram da verdadeira vocação para com o
rebanho de Deus, e passaram a apascentarem a si mesmos. Sim, pastores que fazem
das igrejas extensão de si mesmos, onde o apascentar o rebanho de Deus,
tornou-se secundário. Isso não é novo, na verdade é uma problemática antiga que
contribuiu para o desmoronamento do sistema religioso de Israel, a voz de Deus
pôde ser ouvida através do profeta Ezequiel no cativeiro Babilônico que disse:
“Filho do homem, profetiza contra os pastores de Israel; profetiza e dize-lhes:
Assim diz o SENHOR Deus: Ai dos pastores de Israel que se apascentam a si
mesmos! Não apascentarão os pastores as ovelhas?” (Ez 34.2).
Nos tempos onde as
crises alçavam altos picos, em um ambiente fértil que germinava nas pessoas a
busca pelos seus próprios interesses, o profeta denúncia esse mesmo sentimento
no coração dos pastores que haviam abandonado o rebanho e estavam apascentando
a si mesmos.
Características dos
pastores de si mesmos
O assunto não pode ser
tratado de forma simplista, mesmo porque existem muitos pontos a serem
considerados, porém, quero destacar aqui pelo menos quatro características que
identificam pastores que inclinam-se a apascentar-se a si mesmos.
1. Se preocupam apenas com si mesmos. Existe uma
linha muito tênue entre “cuida-te de ti mesmo” e apascentar a si mesmo. Porque
a necessidade do cuidado pessoal para a vida é obrigação do obreiro, existem
várias exortações bíblicas que nos apontam para esse cuidado, Paulo disse a
Timóteo: “Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina...” (I Tm 4.16), porém, não
podemos fazer uma coisa como desculpa para abandonar outra. Há pastores que se
preocupam em engodarem-se as custas do rebanho, sem critério algum, causando estragos
sem precedentes. É um fato muito triste ver como alguns rebanhos são subjugados
e extorquidos, em lugares onde se mercadejam as bênçãos de Deus.
Ultimamente temos visto grandes
exemplos através dos pastores midiáticos que tem explorado o rebanho de Cristo
sem o mínimo de misericórdia, alimentando seus egos e seus projetos
“megalomaníacos”.
2. Abandonam o rebanho. Uma das coisas
mais tristes que há é ver como os rebanhos estão abandonados, perdidos e
desorientados. Rebanhos sem pastores, rebanhos que são levados de um lado para
o outro por ventos de doutrina, buscando algo que possa saciar sua alma, pois
os pastores estão demasiadamente ocupados e não podem atendê-los. Jesus
lamentou sobre a condição do rebanho de Israel que tinha uma religião bem resolvida
e que gozava de certo status junto ao império, quando disse: “Vendo ele as
multidões, compadeceu-se delas, porque estavam aflitas e exaustas como ovelhas
que não têm pastor” (Mt 9.36).
Muitas pessoas literalmente abandonadas
e aflitas. Muitas vezes, porque a ocupação que parece ser demasiada, nada mais
é do que necessidade de parecer importante. Eugene Peterson diz o seguinte:
“Que maneira melhor do que ser ocupado?
As horas incríveis, os horários cheios, e as pesadas demandas no meu tempo
provam para mim mesmo – e para todos que observarem que sou importante”.2
O trabalho pastoral vai muito além dos
cultos de domingos, as necessidades são alarmantes, urgentes e imediatas.
3. Usam o rebanho como meio para fins.
O rebanho de Cristo é o fim em si mesmo, porque foi por pessoas de todas as
tribos, raças e nações que Jesus morreu na cruz e não por projetos que
aparentemente viabilizam o alcance de “almas”. Precisamos analisar com temor e
tremor as palavras do apóstolo Pedro: “Assim como, no meio do povo, surgiram
falsos profetas, assim também haverá entre vós falsos mestres, os quais
introduzirão, dissimuladamente, heresias destruidoras, até ao ponto de
renegarem o Soberano Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina
destruição [...]também, movidos por avareza, farão comércio de vós, com
palavras fictícias; para eles o juízo lavrado há longo tempo não tarda, e a sua
destruição não dorme” (II Pe 2.1,3). Infelizmente muitos pastores vêem o
rebanho como clientes e não como ovelhas, pessoas que buscam O Caminho, e
simplesmente, dissimulam a verdade. Uma ocasião um seminarista me perguntou
qual era a diferença da administração de uma empresa para administração de uma
igreja, e eu respondi com poucas palavras: - “Administrar uma empresa é ver as
pessoas como um meio para se chegar a um fim, que é o lucro. E, administrar uma
igreja é enxergar as pessoas como o fim em si mesmo”. Porque foi por nós que
Jesus morreu. Por isso, devemos usar todas estruturas envolvidas para que vidas
sejam alcançadas e trazidas aos pés do Bispo das nossas almas, Jesus.
4. Vivem do rebanho, mas não cuidam do
rebanho. Muitos ainda esbarram em uma pergunta antiga: O pastor deve ser
remunerado? Acredito que a Bíblia tenha respostas claras para essa questão e
reforçando a idéia que sim (I Co 9; II Tm 2.6,7). Mas o fato é que, se vivem
assalariados pela obra, devem viver para a obra. E que obra é essa? Cuidar
verdadeiramente do rebanho. O Profeta Ezequiel novamente aparece no cenário com
a exortação: “Comeis a gordura, vestis-vos da lã e degolais o cevado; mas não
apascentais as ovelhas” ( Ez 34.3).
Infelizmente há pastores que evocam
para si direitos especiais, mas que por outro lado não cumprem com o dever, o
de apascentar o rebanho de Deus.
Desenvolvendo a
vocação com autenticidade
Em tempos assim, é
difícil de se identificar qual o modelo de pastor a seguir. Falta-nos
referenciais e exemplos a serem seguidos. Pois, hoje, é preciso uma renovação
de entendimento para que venhamos a sair da masmorra secularizada em que está
mergulhada a nossa geração. Como superar esse momento e reformular em algum
nível, alguns modelos pastorais existentes em nossos dias? Como pregando a
outros, nós mesmos não venhamos ser reprovados no exercício pastoral?
Em primeiro lugar, é
necessário ter em mente que o rebanho é de Cristo. Há uma certa tendência dos
pastores sentirem-se donos dos rebanhos, e querer usufruir desse direito para
fazer o que bem entender. O escritor Colin S. Smith diz o seguinte:
“...O uso do nome de Deus por líderes espirituais
com o intuito de confirmar as próprias idéias é pura exploração e torna-se uma forma de chantagem
espiritual. É uma ofensa contra Deus e um pecado que ele não considera
superficial” .
Essa é uma tendência
que escamoteia o rebanho e leva apodera-se do mesmo. Porém, quando lembramos a
nós mesmos que o rebanho é de Cristo, a noção muda, o ministério e a vocação
tomam outro significado. O apóstolo Pedro diz: “pastoreai o rebanho de Deus que
há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem
por sórdida ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores dos que vos
foram confiados, antes, tornando-vos modelos do rebanho” (I Pe 5.2,3). O
rebanho foi confiado pelo próprio Jesus Cristo, e jamais podemos querer
apropriar-nos dele. Cristo é o Bom pastor que dá a vida pelas suas ovelhas. Nós
podemos construir a infra-estrutura, mas as pessoas, continuam sendo do
“...Bispo e Pastor das vossas almas” ( I Pe 2.25).
Em segundo lugar, é
preciso desenvolver a chamada por vocação. Poucos pastores têm a certeza da
vocação. Muitos foram lançados na arena e deixados ao leu, sem estrutura ou
convicção da própria chamada. Outros são abandonados à própria sorte, tendo que
lutar, muitas vezes sozinho com dificuldades existenciais esmagadoras.
Infelizmente tem crescido o número de pastores que cometem suicídio e que tem
desistido de tudo, do chamado e até mesmo da vida. O apóstolo Paulo sabia que
para pregar o Evangelho de Cristo e pastorear o rebanho de Deus, tinha que ser
vocacionado, e por isso, afirmou dizendo: “Porém em nada considero a vida
preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério
que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus” (At
20.24).
O apóstolo Pedro parou
de hesitar em seguir a Jesus e entender qual era sua vocação, não apenas depois
do Pentecostes, mas depois que Jesus mirou os seus olhos, e lhe pediu a maior
prova de amor que ele poderia demonstrar que era: “apascentando o seu rebanho”
(Jo 21.15-17). Um chamado à vocação.
A vocação para o
ministério não envolve fracasso profissional em dimensões seculares, projeção
publica através do ministério e do rebanho. Não! Mas sim, uma vida de entrega a
Jesus, tendo plena convicção que o seu chamado não foi dado pelos homens e sim
pelo próprio Jesus, que deu uns também para pastores “...tendo em vista o
aperfeiçoamento dos santos” (Ef 4.12). Tenha consciência que os profetas,
apóstolos, bispos, presbíteros e pastores que a Bíblia Sagrada menciona,
superaram os mais diversos obstáculos, porque eles sabiam em quem estavam
crendo. Para eles, viver era atender a vocação que Deus os confiou, de maneira
que de alguns deles, o escritor aos Hebreus confirma: “homens dos quais o mundo
não era digno...” (Hb 11.38).
Em terceiro lugar,
deve considerar que um dia será chamado à prestação de contas. Nenhum pastor
pode ignorar essa verdade, seremos chamados à prestação de contas do rebanho
que nos foi confiado. O escritor aos Hebreus diz: “Obedecei aos vossos guias e
sede submissos para com eles; pois velam por vossa alma, como quem deve prestar
contas, para que façam isto com alegria e não gemendo; porque isto não
aproveita a vós outros”. (Hb 13.17). Já vi muitos pastores fazendo menção desse
versículo apenas para exigir submissão e obediência, porém, esquecendo-se que,
não passa desapercebido o texto que diz: “...como quem deve prestar contas...”.
Essa é uma responsabilidade unânime no ministério pastoral, e que deve ser
encarada com zelo e com amor. Foi com essa consciência que o apóstolo Paulo
afirmou para os Tessalonicenses que tinha agido como uma mãe e como um pai com
a igreja (I Ts 2.7,11).
Por último, é preciso
dessecularizar o ministério pastoral. Todos nós sabemos que o ministério
pastoral é um oficio espiritual, mas nesse mundo secularizado de hoje, onde
muitas pessoas não conseguem enxergar além de uma visão materialista e
ultrajante em todas as dimensões, precisamos lembrar que o mesmo Jesus que nos
chamou para apascentar, nos chamou para o fazer por uma dádiva espiritual e não
secularizada. Todos os instrumentos que utilizamos para o progresso do
Evangelho são de grande importância, mas nada pode substituir a cruz de Cristo,
de onde vem toda fonte de amor, dedicação sacrificial, entrega e devoção à
chamada para apascentar. Precisamos de pastores que realmente conheçam o
coração de Deus, como diz a Bíblia Sagrada: “Dar-vos-ei pastores segundo o meu
coração, que vos apascentem com conhecimento e com inteligência” (Jr 3.15).
Pastores
estereotipados de "executivos" e de “super ungidos” são
desnecessários para o rebanho. Um pastor precisa ser gente como seu rebanho, no
mesmo arquétipo do próprio Cristo, vivendo como nós, passando a ser um de nós,
sem negar a sua essência humana. Já ouvi de pastores que não se misturam com
seus rebanhos para não parecer um deles. Isso é um fracasso no ministério
pastoral, porque nenhuma liderança que é imposta por ostentação, por falsa
impressão será valorizada. Podem até lhe aplaudir, mas no fundo saberão, que
não passa de elucubrações humanas.
Que a chamada pastoral
seja mais valorizada e que possamos nos aventurar em caminhar nos dedicando à
fundo na chamada e na vocação que o Senhor nos tem confiado, atendendo a
vocação de apascentar o rebanho de Deus e alcançando respeito diante dos homens
como afirmou o apóstolo Paulo: “Assim, pois, importa que os homens nos
considerem como ministros de Cristo e despenseiros dos mistérios de Deus” (I Co
4.1).
Paz seja convosco!
1. PETERSON, Eugene. O Pastor Contemplativo. Editora Textus, p. 28.
2. SMITH, Colin S. As maiores lutas da sua vida. Editora Vida, p. 45.
pastorandresantos.blogspot.com
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