Será
que tudo que nos acontece é por acaso? Os acontecimentos, quer sejam bons ou
maus, ocorrem acidentalmente, de maneira aleatória, sem que haja uma finalidade
neles? Os que pensam assim, acham que Deus não determinou, decretou, ou
planejou absolutamente nada com relação aos seres humanos, seu futuro histórico
ou eterno, e muito menos os acontecimentos diários. Nada foi previsto ou
determinado por Deus, inclusive os eventos naturais como terremotos, tsunamis,
erupções vulcânicas, acidentes, quedas de aviões, enfim – nada foi previsto ou
determinado por ele. Portanto, tudo é imprevisível como num jogo de futebol.
Não se sabe o futuro, não se pode prever absolutamente nada quanto ao fim da
história. Junto com seus seres morais, Deus constrói em parceria o futuro, que
neste acaso é aberto, indeterminado e incognoscível. Inclusive para ele mesmo.
Ou, será que as coisas que nos acontecem, mesmo as menores e
piores, têm um propósito, ainda que na maior parte das vezes desconhecido para
nós? Os que pensam assim entendem que Deus criou o mundo conforme um plano, um
propósito, um projeto, elaborado em conformidade com sua sabedoria, justiça,
santidade, misericórdia e poder. Nada que acontece, mesmo as mínimas coisas, o
fazem ao acaso e de forma aleatória e casual, mas segundo este plano sábio. As
decisões dos seres humanos são tomadas livremente por eles mesmos, mas, de uma
forma que não compreendemos, elas acabam contribuindo para a concretização do
propósito divino sem que Deus seja o autor do pecado. Tudo que ocorre, coisas
boas ou ruins, estão dentro deste propósito concebido antes da fundação do mundo.
A melhor maneira de avaliarmos qual das duas é a visão
correta é perguntarmos qual delas se aproxima mais da visão de Deus, do mundo e
do homem que a Bíblia apresenta. Como os autores bíblicos concebiam o mundo, a
história e os acontecimentos?
Ninguém que conheça a Bíblia poderá ter dúvidas quanto à
resposta. Os judeus, ao contrário dos povos pagãos ao seu redor, não
acreditavam em sorte, azar, acaso, acidente ou contingências. Eram os filisteus
e não os israelitas que acreditavam que as coisas podiam acontecer ao acaso
(veja 1Sm 6.9). Os israelitas, ao contrário dos pagãos, não acreditavam no
acaso.
Para eles, Deus tinha traçado planos para os homens e as
nações, e os mesmos iriam se cumprir inevitavelmente. Estes planos não poderiam
ser frustrados por homem algum (Jó 42.2; Pv 19.21; Is 14.27; Is 43.13; Is
46.10b-11). Tais acontecimentos estavam tão inexoravelmente determinados que
Deus dava conhecimento deles de antemão, através dos profetas. O fato de que os
profetas de Israel eram capazes de predizer o futuro com exatidão era a prova
de que o Deus de Israel era superior aos deuses pagãos (Is 46.9-10).
Os autores do Antigo Testamento sempre descrevem eventos que
aconteceram aparentemente ao acaso como sendo o meio pelo qual Deus realizava
seu propósito final. Assim, o arqueiro que atirou sua flecha “ao acaso” durante
uma batalha acabou atingindo o rei de Israel e dessa forma cumpriu a profecia
sobre sua morte (2Cr 18.33). A tempestade que atingiu o navio em que Jonas fugia para
Társis não foi mera contingência, mas resultado da ação de Deus em levar o
profeta a Nínive (Jn 1.4). O amalequita que vagueava “por acaso” nos montes de
Gilboa foi o que encontrou Saul agonizante e o matou, cumprindo assim a
determinação do Senhor de castigá-lo por ter consultado a pitonisa (2Sm 1.6-10;
1Cr 10.13). O encontro “casual” do profeta com um leão causou-lhe a morte e
assim cumpriu a profecia contra ele (1Re 13.21-24). A visita casual que Acazias
foi fazer a Jorão e o encontro fortuito com Jeú era tudo “a vontade de Deus”
conforme o autor do livro das Crônicas, para que Acazias fosse morto (2Cr
22.7-9). Dezenas de outras passagens poderiam ser citadas para mostrar que na
cosmovisão dos autores do Antigo Testamento nada acontecia por acaso, nem mesmo
as pequenas coisas.
Até mesmo ações pecaminosas dos homens são atribuídas a Deus
pelos autores do Antigo Testamento. O endurecimento do coração de Faraó para
não deixar o povo de Israel sair é atribuído à Deus, que queria mostrar sua
glória e seu poder sobre os deuses do Egito (Ex 7.3; 9.12). O endurecimento dos
filhos de Eli para não se arrependerem do mal praticado é atribuído à Deus que
os queria matar (1Sm 2.25). O endurecimento do rei Seom para não deixar Israel
passar por sua terra é atribuído a Deus, que queria entregá-lo nas mãos de
Israel (Dt 2.30), bem como o endurecimento de todas as nações cananitas (Js
11.20). Ao mesmo tempo, é preciso acrescentar, os israelitas não consideravam
Deus como culpado do pecado humano. Ele era santo, justo, verdadeiro e não podia
contemplar o mal (Hab 1.13). Todos estes mencionados acima foram
responsabilizados por seus próprios pecados.
A visão de um mundo onde as coisas acontecem ao acaso,
acidentalmente, sem propósito, é completamente estranha ao mundo dos israelitas
conforme temos registrado na Bíblia.
Quando chegamos na pessoa de Jesus, encontramos exatamente a
mesma visão de mundo, de Deus e da história, que é refletida no Antigo
Testamento. Para Jesus, até mesmo coisas tão insignificantes como o número de
cabelos da nossa cabeça (Mt 10.30) e a morte de pardais (Mt 10.29) estavam sob
o controle da vontade de Deus. Ele era capaz de profetizar acontecimentos
futuros tão triviais quanto o local onde se encontrava uma jumenta e seu
jumentinho (Mt 21.2), que Pedro iria achar moedas na boca de um peixe (Mt
17.27) e que um homem estaria em determinado momento entrando na cidade com um
cântaro na cabeça (Lc 22.10-12). Obviamente estas coisas não aconteceram por
acaso.
Jesus se referiu à vontade de Deus e ao plano dele inúmeras
vezes, como por exemplo, ao ensinar aos seus discípulos que tinha vindo ao
mundo para morrer na cruz para salvar pecadores (Mt 17.22-23). As parábolas que
Jesus contou sobre o futuro de Israel e sobre o dia do juízo deixavam pouca
dúvida de que, para Ele, a história caminhava para um fim já traçado e
determinado por Deus. No sermão escatológico Jesus predisse com exatidão a
queda de Jerusalém, a fuga dos discípulos, o surgimento dos falsos profetas, as
catástrofes, terremotos, secas, pestes e guerras que haveriam de suceder à raça
humana e as perseguições que sobreviriam a seus discípulos antes de sua vinda
(Mt 24).
Os discípulos de Jesus, os autores do Novo Testamento, tinham
exatamente a mesma visão de um mundo onde nada ocorre por acaso. Tudo o que
havia acontecido com Jesus, como o local do seu nascimento (Mt 2.5-6), sua ida
ao Egito (Mt 2.15), sua vinda a Nazaré (Mt 2.23), seus milagres (Mt 8.16-17),
sua traição (Jo 17.12), seu sofrimento e sua morte na cruz (At 3.18) –
inclusive detalhes como beber vinagre (Jo 19.28-29), ter sua túnica rasgada (Jo
19.24) e seu corpo furado por uma lança (Jo 19.34-36) – tudo isto havia sido
determinado por Deus em detalhes, a ponto de Deus ter revelado estes fatos
cerca de seiscentos anos antes dos mesmos terem acontecido por meio dos
profetas de Israel. Pensemos na probabilidade de atos, decisões e eventos
acidentais, aleatórios, ao acaso, contingenciais, acontecerem de tal forma que
estas coisas aconteceram exatamente como os profetas tinham dito!
Não só os fatos ocorridos com Jesus haviam sido planejados,
inclusive aqueles que cercaram o nascimento da igreja cristã. A substituição de
Judas (At 1.16-26), o dia de Pentecoste (At 2.14-17), a rejeição de Israel (At
13.40), a inclusão dos gentios na Igreja (At 15.15-20) – tudo aquilo havia sido
determinado por Deus e previsto nas Escrituras pelos profetas. Veja a
quantidade de vezes que no livro de Atos se menciona que a história de Cristo e
da igreja haviam sido determinadas por Deus e anunciada pelos profetas: Atos
3.18,21-25; 10.43; 13.27,40; 18.28; 26.22.
Nas cartas que escreveram às igrejas, os autores do Novo
Testamento jamais, em qualquer lugar, ensinaram os crentes que as coisas
acontecem por acaso. Ao contrário, eles ensinaram os crentes que a conversão
deles era resultado da vontade de Deus. Eles foram predestinados (Rm 8.29-30;
Ef 1.5,11), escolhidos antes da fundação do mundo (Ef 1.4). Os crentes são
ensinados a buscar a vontade de Deus, a se submeter a ela e a entender que a
vontade de Deus controla a história (Rm 8.27; 12.2; Ef 6.6; Cl 4.12; 1Ts 4.3;
5.18; Hb 10.36; 1Pd 2.15). Até o sofrimento por causa do Evangelho era visto
como sendo pela vontade de Deus (1Pd 3.17; 4.19). Eles foram ensinados a ver
uma santa conspiração divina em tudo que acontece em favor do bem deles (Rm
8.28), a ponto de serem exortados a dar graças em tudo (1Ts 5.18). Eles são
exortados a dizer sempre “se Deus quiser” farei isto ou aquilo (Tg 4.15). Paulo
sempre dizia que “se for a vontade de Deus” ele iria a este ou aquele local (Rm
1.10; 15.32). Ele sempre começa suas cartas dizendo que foi chamado “pela
vontade de Deus” para ser apóstolo (1Co 1.1; Ef 1.1; Cl 1.1; 2Tm 1.1).
Os cristãos são encorajados a enfrentar firmes as provações e
tentações, pois Deus não permitirá que eles sejam provados além de suas forças
(1Co 10.31). Eles devem sofrer com paciência em plena confiança que o Deus que
está no controle de todas as coisas lhes dá a vida eterna e que ninguém poderá
arrancar seus filhos de suas mãos. Eles são consolados com a certeza de que
Deus haverá de cumprir todas as suas promessas, e que há um final feliz para
todos os que confiam nele e crêem em Jesus Cristo como seu único e suficiente
Salvador. Eles são exortados a permanecer firmes pois o bem haverá de triunfar
sobre o mal, a justiça prevalecerá e a verdade haverá de vencer. E isto só é
possível porque Deus está no controle, porque Ele conduz a história para o fim
que Ele mesmo determinou, de uma maneira sábia e misteriosa, na qual os seres
humanos e os anjos são responsáveis por seus atos, decidem fazer o que querem e
tomam as escolhas que desejam.
À semelhança dos autores do Antigo Testamento, os escritores
do Novo também atribuem a Deus o fato de que os ímpios e pecadores impenitentes
se afundam cada vez mais no pecado. Paulo por três vezes em Romanos 1 declara
que Deus entregou os incrédulos de sua geração à corrupção de seus próprios
corações, para que eles se afundassem ainda mais no pecado e na iniqüidade (Rm
1.24,26,28). Aos tessalonicenses, ele declara que Deus manda a operação do erro
para que os que rejeitam a verdade e creiam na mentira (2Ts 2.11). Igualmente,
à semelhança do Antigo Testamento. O Novo responsabiliza os seres humanos por
seus próprios pecados e condenação.
É evidente que não será na Bíblia que encontraremos esta
visão de um mundo onde as coisas acontecem por mero acaso, onde tudo é casual e
contingencial. Mas, vamos encontrá-la na mentalidade pagã, nas religiões
idólatras, de deuses pequenos, impotentes, egoístas. Vamos encontrar esta visão
de um mundo onde as coisas ocorrem de maneira aleatória nas idéias dos
maniqueístas e gnósticos, ateus e agnósticos, especialmente os evolucionistas,
que defendem que tudo surgiu e acontece como resultado de uma combinação
fortuita de tempo e de acaso.
Os verdadeiros cristãos, todavia, cantam “acasos para mim não
haverá”.
Se tudo acontece por acaso, que combinação inimaginável de
ações livres, aleatórias e catástrofes naturais fortuitas poderão unir-se numa
conspiração impessoal e totalmente ao acaso para produzir o final que Deus
prometeu na Bíblia? Se Deus não é Deus, então o acaso se torna Deus e não temos
qualquer garantia de que o final feliz prometido na Bíblia haverá de acontecer.
Não nos enganemos. A discussão entre acaso versus
planejamento não é uma disputa teológica entre cristãos arminianos e
calvinistas, pois os arminianos e os calvinistas concordam que Deus tem um
plano, que ele controla a história, que não existe acaso e que Ele conhece o
futuro. Ambos aceitam a Bíblia como Palavra de Deus e querem se guiar por ela.
O confronto, na verdade, é entre duas visões de mundo completamente
antagônicas, a visão pagã e a visão bíblica, entre as religiões pagãs e a
religião bíblica. Posso não entender tudo sobre este assunto, mas prefiro mil
vezes ficar ao lado dos autores da Bíblia do que ao lado de filósofos, teólogos
e poetas ateus, agnósticos e racionalistas.
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