Por Isaltino Gomes
Coelho Filho
Em um dos meus
pastorados, assumi pregar uma série de sermões sobre Cristo no Apocalipse. Não
analisaria o livro, mas veria os retratos de Cristo. Dispondo de cerca de 30
comentários sobre o Apocalipse e algumas versões bíblicas, julguei ter material
suficiente. E tinha. O bastante para me confundir e me deixar perplexo com a
facilidade com que as pessoas fazem “profecias”.
Preparei a primeira
mensagem, “O cartão de visitas do Cristo glorificado” (1.4-6), e fui para a
mensagem no texto de 1.7. O tema seria “Ele vem!”. Um dos livros que usei,
embora superficialmente, foi o comentário de Champlin sobre o Novo Testamento.
O comentarista remete os leitores a um artigo no volume 1 (o comentário do
Apocalipse está no 6): “A tradição profética e a nossa era”. E afirma sobre o
artigo: “Que a história julgue a veracidade do que é dito aqui. Que o leitor
consulte, mas não condene antes do tempo!” (p. 374). Meu exemplar da obra de
Champlin está datado de 4.2.1980. Passados 32 anos, a história julgou seu
artigo. Pinço trechos de sua obra, sem os comentar. Como ele pediu, que o
leitor julgue. Nada tenho contra o autor, mas é para vermos o risco de
declarações humanas feitas como se fossem oráculos do Senhor. As citações são
do artigo “A tradição profética e a nossa era”, às páginas 180-184 do volume 1
de O Novo Testamento interpretado versículo por versículo.
(1) “Nossos filhos, se
não nós, veremos Israel nacionalmente convertido a Cristo. Dentro dos próximos
35 anos Israel tornar-se-á a poderosa nação cristã ‘missionária’, a mais
fanática de todas, substituindo certas nações que agora arcam com a responsabilidade
missionária”.
(2) “Ezequiel 38 e 39
descrevem a posição da Rússia nos últimos dias (...). Tudo começará com a
invasão russa nas terras dos combatentes árabes e judeus (pois esse conflito
prosseguirá interminavelmente) e isso provocará o início da Terceira Guerra
Mundial (...). Isso terá lugar em algum ponto perto do fim do século XX”.
(3) Sobre o
anticristo: “Cremos que esse homem já vive, a confiar nas declarações de certos
místicos contemporâneos, que se sabe possuírem poderes preditivos (...). É
perfeitamente possível, conforme já foi predito por alguns deles, que o
anticristo tenha nascido a 5 de fevereiro de 1962. Notemos que esse ‘ano’ é
igual a 666 numericamente considerado, pois se adicionarmos 1+9+6+2 = 18, ou
seja, três vezes seis (...). No começo da década de 1990 esperamos vê-lo”.
(4) Sobre a Terceira
Guerra Mundial: “Grande terremoto atingirá Israel dando a seus inimigos árabes
uma vantagem momentânea do que resultará a invasão das terras de Israel. Perdas
imensas terão lugar, em ambos os lados, e isso continuará até cerca de 1988
(...). Por volta do ano 2000, as forças comunistas terão sido isoladas no
Oriente Médio”.
(5) “Em meio a esse
pior de todos os holocaustos, subitamente se tornará visível no firmamento o
sinal do Filho do homem, uma grande cruz luminosa. Jesus será visto
corporalmente entre os soldados israelenses, que estarão lutando pela
sobrevivência da própria nação, quando estiverem quase perdendo a esperança de
que isso será possível. As notícias de que Jesus está conosco se propagarão
como um incêndio por todo o Israel. Os homens serão convocados para a vitória.
Israel proclamar-se-á uma nação cristã; e tendo sobrevivido tornar-se-á a mais
poderosa nação cristã da época”.
(6) Sobre cataclismos:
“A geologia revela-nos que por muitas vezes, na história do globo terrestre, seus pólos magnéticos
subitamente mudaram de posição, provocando imensos dilúvios destruidores (...).
Alguns cientistas predizem que
isto pode estar próximo. Isso pode ter algo a ver com a derrubada do anticristo e pode estar associado ao segundo advento de Cristo” (o
itálico é meu).
No volume 2, no
comentário sobre Lucas 21.9 (p. 202): “A Terceira e a Quarta Guerras Mundiais,
que esperamos para antes de 2025 – a terceira virá antes do fim do nosso século
XX – serão guerras atômicas”.
Champlin não está só.
Muitos devem se lembrar das precipitações sobre o alinhamento dos planetas, em
1982. Lawrence Olson lançou um livro intitulado O alinhamento dos planetas.Meu
exemplar é da quinta edição, mas outras foram tiradas. Quanto argumento vazio,
mal alinhavado, sem sentido algum! Tudo para provar que Jesus poderia voltar em
1982! E o que dizer de A
agonia do grande planeta Terra, de Lindsey, que vendeu uma edição em três
meses! Quanta impropriedade, quanta exegese a fórceps, com passagens sacadas do
contexto, e fatos históricos mal interpretados! O Mercado Comum Europeu era
dado como o Império Romano Redivivo assim que chegasse a dez nações, cumprindo
profecias de Daniel e Apocalipse (p. 88). Já são 25 nações. Jean- Jacques
Servan Schreiber é insinuado como o “fuehrer do futuro”. Na obra Evangélicos em crise, Paulo
Romeiro transcreve pregação de Valnice Coelho marcando a volta de Cristo para
2007 (p. 182). Passaram-se cinco anos, Cristo não voltou e ela,
convenientemente, se calou. Impressiona a empáfia com que pregadores fazem
afirmações deste tipo. Errando, não se desculpam! E ainda são levados a sério!
Não quero
ridicularizar Champlin, Olson, Lindsey e Valnice. Seus adeptos farão vistas
grossas a seus erros e me criticarão por “tocar nos ungidos do Senhor”.
Cegueira mental e espiritual é terrível! Mas o leitor que tem bom senso pode
avaliar seus escritos. Não desprezo tais pregadores. Mantenho comigo a obra de
Champlin, consulto-a em alguns textos e ele me elucida porque nem só de
equívocos vive uma pessoa. Mas não me calo com a falta de seriedade no que se
chama de “profecia” e na pompa egomaníaca com que seus autores as proferem. É
incrível: há quem os justifique! Talvez por causa de uma citação de Demóstenes,
registrada no livro de Lindsey: “Cremos
em qualquer coisa que quisermos”. Deve
ter sido por isto que ele escreveu A agonia...
O Antigo Testamento
nos dá o fio de prumo para analisarmos os chamados “profetas” de hoje. Diz
Deuteronômio 18.21-22: “E, se disseres no teu coração: Como conheceremos
qual seja a palavra que o Senhor falou? Quando o profeta falar em nome do
Senhor e tal palavra não se cumprir, nem suceder assim, esta é a palavra que o
Senhor não falou; com presunção a falou o profeta; não o temerás”. Se não se cumprir, a profecia não é de
Deus. Simples, não é? Mas não é tudo. Se o profeta falar, o que ele disser se
cumprir e ele se valer disto para desviar o povo da Palavra, deve ser
rejeitado. Diz Deuteronômio 13.1-5: “Se
levantar no meio de vós profeta, ou sonhador de sonhos, e vos anunciar um sinal
ou prodígio, e suceder o sinal ou prodígio de que vos houver falado, e ele
disser: Vamos após outros deuses que nunca conhecestes, e sirvamo-los, não
ouvireis as palavras daquele profeta, ou daquele sonhador; porquanto o Senhor
vosso Deus vos está provando, para saber se amais o Senhor vosso Deus de todo o
vosso coração e de toda a vossa alma. Após o Senhor vosso Deus andareis, e a
ele temereis; os seus mandamentos guardareis, e a sua voz ouvireis; a ele
servireis, e a ele vos apegareis. E aquele profeta, ou aquele sonhador,
morrerá, pois falou rebeldia contra o Senhor vosso Deus, que vos tirou da terra
do Egito e vos resgatou da casa da servidão, para vos desviar do caminho em que
o Senhor vosso Deus vos ordenou que andásseis; assim exterminareis o mal do
meio vós”. Não quero o
apedrejamento desses profetas. Só mostro que em vez de ouvi- -los devemos
rejeitá-los. O padrão é a Palavra de Deus. Se a temos como autoritativa e
revelação completa, fiquemos com ela. Ela basta.
Passou da hora de dar
um basta em revelações, profecias, visões, sonhos e interpretações particulares
que avultam em nosso meio. Rejeitemos a megalomania de pregadores que se dizem
“canal especial de Deus para esta geração”. Diz Jeremias 23.28: “O profeta que
tem um sonho conte o sonho; e aquele que tem a minha palavra, fale fielmente a
minha palavra. Que tem a palha com o trigo? diz o Senhor”. Por fim, guardemos Isaías 8.20: “A Lei e ao Testemunho! Se eles não
falarem segundo esta palavra, nunca lhes raiará a alva”. Firmemo-nos na
suficiência das Escrituras e afirmemos um princípio hermenêutico: quando a
Bíblia é explícita, somos explícitos e falamos. Quando ela se cala, nós não
inventamos e nos calamos. Que cessem as comichões nos ouvidos e voltemos ao apego
às Escrituras. Elas são a verdade. Sobriedade no ensino bíblico nunca fez mal a
alguém.
Fonte: O Jornal Batista
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